TODAS AS MARIAS

"Com Versando" sobre o cotidiano
Coluna publicada na Edição 538 do Jornal de Capanema 








TODAS AS MARIAS
Por Eleci Terezinha Dias da Silva

Lembro que quando criança, os sonhos eram sempre desafiadores. Queria conquistar o mundo que achava tão grande como pensava ser o pátio de minha escola.
Nas tardes mornas da minha infância, olhava com amor e admiração minha mãe, Maria. Ao mesmo tempo em que ela era severa, conseguia passar doçura, segurança e fortaleza.
Minha avó, também chamada Maria, tinha as mesmas características, porém a doçura somente chegou ao final da sua vida, quando tudo vai suavizando, inclusive as mãos calejadas. Quando o sorriso estampado no rosto, deixa o olhar como que “entre parênteses” palas rugas que o adornam. Gostava de ouvir as suas histórias de vida e ficava imaginando como era morar longe de tudo, em uma casa de taipa onde a luz do sol ajudava a aquecer os dias de frio e a lua entrava pelas frestas das janelas, ajudando o tímido lampião a iluminar aquela casa pobre onde o fogo de chão abrigava a única panela que servia para alimentar a todos. Quando o pão faltava, restava a fé e a esperança.
O exemplo dessas duas grandes mulheres forjaram o “eu de agora”. Serviram de escudo ao longo de minha vida e guiaram meus passos mesmo quando as lágrimas tornaram turvo o meu olhar.
Tenho uma terceira Maria. Minha filha que também herdou a mesma garra das mulheres que a antecederam. Hoje, destemida e altiva, vai trilhando seu caminho.
As minhas são Marias, mas quando falo delas, também falo de tantas outras Marias. Falo das Alices, das Teresas, das Anas e das Joanas. Falo também das Lurdes, das Fátimas e das Antônias. Das que têm nome famoso e daquelas que são anônimas.
Falo portanto, das mulheres guerreiras, daquelas que mesmo com o coração em pranto, secam as lágrimas de seus filhos, ajudam seus companheiros, amam, sofrem, dançam e sorriem.
Falo das mulheres, de mãos e corações calejados, que nunca perdem a esperança no dia de amanhã. Falo também das que confiam em Deus e das que vão à luta e não desistem nunca de seus filhos.
Falo das que têm posses e também das que não têm. Falo das mulheres que remendam um lençol ou dão ao filho o último pedaço de pão para que seus “meninos” adormeçam alimentados e aquecidos, assumindo para si a fome e o frio como companheiros nas longas noites que antecedem dias de incerteza.
Falar das mulheres, seja lá que nomes tenham, se de “flores ou de santas”, é falar da esperança de um mundo melhor. É falar de amor e de grandeza, de doação, de entrega e de beleza. É falar do cotidiano.
Um dia conheci Alice. Mulher simples e sorridente que disse ter recebido, em sonhos, a missão de ajudar outras mulheres na sagrada hora do parto. Com suas mãos hábeis pegou “muito menino”.
Depois veio Tereza. De olhar bondoso, pele negra castigada pelo sol, nas mãos calejadas acostumadas à lida rude, desfia um rosário de alegrias e estampa no rosto sofrido, um lindo sorriso ao contar, com orgulho, a missão que recebeu, lá no Livramento, de uma mulher que surgiu do nada e ninguém sabe para onde foi. Talvez tenha sido mesmo a Nossa Senhora, em pessoa, a lhe entregar as chaves da pequena igreja que ela zela com esmero.
Lá também conheci Maria. Cabelos brancos contrastando com a pele negra curtida pelo sol do Norte. Gosta de cantar e quando canta, mesmo com a voz trêmula pela emoção ou pela vergonha, parece um anjo pedindo licença para entrar no céu. Certamente Deus sorri quando ouve seus cânticos. Mas como Marias tem tantas, outro dia encontrei mais uma. Pequena de estatura. Gigante na luta pela vida. Essa Maria que conheci, é dona de uma bicicleta que nem dá para chamar de nova. A cor já está desbotada, talvez de tanto apanhar poeira e vento na estrada e por vezes alguma chuva. Maria tem também o seu roçado e suas vaquinhas lá longe, no interior de meu Deus. Pelo menos três vezes por semana, coloca sua produção na bicicleta e anda cerca 15 quilômetros carregando esperança de dias melhores. Faz isso sempre com um sorriso nos lábios e vai conquistando freguesia, e o mundo ao seu redor.
Depois que cresci, descobri que o pátio de minha escola nem era tão grande como eu pensava.
Descobri também que o mundo pode, sim, ser conquistado. Que não precisa ser apenas um sonho de criança. Que o cotidiano é uma grande conquista.
Descobri que o mundo abriga tantas Marias com tantas histórias.
Agora, para nossa grande alegria temos as nossas Três-Marias no Rádio. Mulheres lindas, talentosas e valorosas que darão “voz” a tantas outras Marias.
Vida longa ao quadro “Por Elas”, no programa improviso da rádio Antena C, nas vozes das Três-Marias – Conceição Maciel, Elza Melo e Rosilda Dax.

A autora é Psicóloga, Jornalista, Metre em Administração, Doutora em Comunicação. Professora da Universidade Federal Rural da Amazônia – Campus de Capanema

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